segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Sumiço na véspera de natal




Antônio tinha passado a noite na casa de um amigo, quando retornou, teve a triste surpresa do sumiço do cachorro Golias. Quem deu a notícia, rapidamente, foi sua mãe, que estava mais preocupada com os preparativos natalinos.

Antônio achou estranho e foi procurar o cão. Era inusitado, Golias fugir por aí. Nunca saía de perto da casa e nem do menino, eram amigos inseparáveis. Começou a perguntar pela vizinhança se alguém viu Golias e ninguém tinha notícia. Um bêbado sem rumo, conhecido no bairro, aproximou-se. Comentou que viu a mãe do garoto na direção do descampado, segurando uma trouxa de lençol.

No início, Antônio não deu importância, mas, um pensamento o martelava. Resolveu checar. Encontrou uma cruz fincada no chão e a terra parecia que foi mexida recentemente. Respirou fundo e começou a cavar com as mãos. O bêbado se aproximou com a pá e o ajudou. Algo parecido com Golias estava lá. Antônio sabia que era seu cachorro, porém, a impressão que tinha, era de estranhamento. O bêbedo lhe disse que quando a alma se esvaía do corpo, transformava-se em algo sem sentido.

Antônio voltou para casa com Golias no colo. Alguns parentes haviam chegado e levaram um susto com a cena. A mãe aos prantos disse ter sido acidente. Ela acordou bem cedo para fazer as compras, entrou no carro e quando saiu da garagem, teve a sensação do automóvel passar em cima de algo. Ouviu um ganido, em seguida, silêncio. Desesperada, para não estragar o natal e nem deixar o filho triste, elaborou o plano de fuga do cachorro. Já tinha a desculpa montada e compraria outro cão, para o filho se distrair.

O episódio trágico em pleno dia de natal tornou-se uma revelação para Antônio.  Foi a primeira vez que percebeu que sua mãe não era perfeita. Além, do inédito contato com a morte de “alguém” querido.  Também, não se pode esquecer, da descoberta de que se precisa sempre levar em consideração qualquer pessoa. Quem se solidarizou e o ajudou a desvendar o mistério do desaparecimento de Golias, foi um mendigo vadio.



domingo, 8 de dezembro de 2019

QUERIDO DIÁRIO...



Resolvi fazê-lo porque estou desesperada com minha vida caótica. Então, tento colocar minhas ideias em ordem e me entender como indivíduo. Sigo o conselho do meu saudoso psicanalista, que foi hipnotizado pela minha mãe-bruxa-secular para ser escravo sexual. Coitado, para se livrar dela, jogou-se de um viaduto.  .

Bem, meu amigo, minha família é repleta de criaturas mágicas. Meu pai é um vampiro que sempre matou meus namorados e ele tem um hábito horrível de roubar minhas roupas. Quer ser eu e isso o angustia. Por isso, qualquer homem que se aproxima de mim, meu pai o deseja e o mata. Além do mais, pedi minha mãe a lançar um feitiço para proteger meu armário. Estava ficando sem roupa.

Meu irmão é um lobisomem e meio alienígena. Como já disse, mamãe é uma bruxa ninfomaníaca. Ela aprisiona todas as espécies de machos para serem servos sexuais. O mano é um cara bacana, mas quando fica bravo, mata povoados inteiros.

Sou a única normal da família e triste por não ter nenhum amigo ou namorado. Fugi de casa e uma comunidade religiosa me acolheu. Eles me consideram muito especial e até faço parte do coro da igreja.

O guia espiritual me disse que preciso perdoar. Então, resolvi passar o natal com minha família, já que é uma época de solidariedade e perdão.

Só não levarei meu noivo por precaução. Será que estou sendo rancorosa, meu querido diário? Desejo tanto desnudar minha alma e perdoar minha família!!! 

***
Ah, meu amigo, quero lhe mostrar um poema antigo que escrevi e que minha professora de literatura me falou que era muito profundo e intenso. Coitada, ela foi assassinada pelo meu irmão, porque não quis ficar com ele.

Sou menina travessa
Mas, quando quero sou mulher sensual
Porém, posso ser fera faminta
Logo, menina- travessa-mulher-sensual-fera-faminta

E  aí? Será que sou uma poetisa, querido diário?

Feliz natal para você, também.




24 de dezembro...





Um homem caminha na noite quente de verão. Está sozinho. 

Um senhor o chama para entrar em um casarão de esquina.


- Como vai?


- Indo.


- Anda por aí sozinho... Não tem medo de ser assaltado.


- Assaltam um morto?


- Hoje em dia são capazes de tudo. Acredito que nem sabem diferenciar os mortos dos vivos.


- E você está vivo ou morto? 


- Não sei ao certo, há momentos que me sinto vivo e outros, morto. Venha comer, a mesa está posta.


***


- Coisas deliciosas. Os sabores me lembram de quando era alguém.


- Comigo acontece o mesmo. Antigamente, esta casa vivia cheia de gente.


- Quem é você? O que quer de mim?


- Sou o que sinto e não quero nada de você, só sua companhia.


- É tão difícil acreditar, pois sempre alguém quis algo de mim.


- Mas, não quero nada. Coma... Veja tevê....


- Quero tomar um banho.


- Sim. Dou-lhe roupa limpa.


- Não precisa.


- Não tenha medo de aceitar. 


***

A água fresca percorre seu corpo suado e empoeirado. Não pensou mais, entrou no terreno dos sentidos. Se tivesse que pagar um preço caro por esse intervalo, não iria reclamar.

***

- Quer dormir?
- Como?
- Tem um quarto sobrando.
- Não sei.
- Não tenha medo.
- Está bem.

***
O sol invadiu seus olhos. Encontrou ao seu lado, uma mochila de roupas e um dinheiro no bolso da frente.

Foi embora atônito, pois não sabia o que fazer. Nunca experimentou tanta generosidade. Sentiu-se num conto surreal.