domingo, 23 de dezembro de 2018

"Neuza vem amanhã e dará um jeito nele."




Foi tudo tão estranho que nem sei se  vou  reproduzir  os  fatos fielmente.   
Nesse dia, o calor era insuportável.  Todo mundo tomava  banha  de  mangueira  para  se  refugiar.   Tinha a sensação de que minha mente iria se dissolver.   Um cheiro  de  fossa  pairava  no  recinto.  No calor tudo apodrece rapidamente e era insuportável o  cheiro  de  suor, mesmo  disfarçado  com  desodorantes e  perfumes.  O céu azul e  sem nuvens  tornava-se uma maldição.
Ao anoitecer, a ceia estava  preparada  e  o ar-condicionado ligado.   Era um oásis para gente.
Todavia, quando a noite avançava,  o aroma de putrefação  invadia  o ambiente.  Não adiantava fugir da realidade.  De súbito, ratos, baratas, moscas  e formigas  dominaram   a  casa  por um  átimo  de   segundo,  devorando qualquer  coisa  que  vissem. 
As lembranças desse dia ainda estão vivas em mim. Consigo ver nitidamente as criaturas nojentas comendo a ceia em cima da mesa, depois, avançando em todo mundo e os gritos. 
Consegui sair da casa  e  corri  o mais rápido  que  pude.  O mundo que eu conhecia era outro.   Vi ondas de criaturas repugnantes transformando a  cidade em  ruínas  e  o cheiro  de podridão  cada vez mais forte.    
De repente,  meu corpo virou  uma pequena  montanha  de   bosta.

***
- Pronto, já contei  uma história  de  terror natalino.  Pra  cama,  já!
- Não tive medo,  ela  não  valeu.
-  Estou  sem inspiração.
-   Pois é, uma  história super  boba.
-  Vai  dormir  logo.
-  Tá... Espera!   Sinto  um cheiro  esquisito  e  vi algo  passar  rapidamente  pela  porta. 
-   Realmente,   que  cheiro fedido é este?
-  Tem um rato  enorme  na árvore  de Natal!
-  Que  nojento! 
-  Precisa  matá-lo.
- Acho melhor a gente se  trancar  no quarto  e  ligar o ar.   Neuza vem amanhã e dará um jeito  nele.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

INVISÍVEL







Sentia-se assim, já que todos o esbarravam na rua. Vivia tão calado que nem se lembrava de sua voz.  Com o tempo, adquiriu o hábito de seguir e a observar as pessoas. O vazio que sentia, diminuía  brevemente. Nas festas de finais de ano, começou a entrar de penetra nos lugares, para se alimentar das alegrias dos outros. 
Em certo natal,  entrou numa casa e, como  sempre,  ninguém  o  percebeu.   Explorou a casa, até encontrar  uma menina  que lhe  sorriu.  Pegou em sua mão e o  levou  ao quarto.  Seu corpo estremeceu, há tempos que ninguém o tocava. Tentou lembrar-se de  alguma lembrança remota, mas, só havia uma tela em branco.
Ela mostrou os brinquedos novos e não parava de conversar.  De repente, alguém a chamou.  Minutos depois, ela voltou com sua mãe para apresentar o novo amigo. A mãe  pensou que  se  tratava de  um novo amigo imaginário. Mandou a garota brincar com os primos e fechou  a janela  escancarada do quarto  para não entrar  insetos. 
Ele correu com o coração quase saindo pela boca. Sentia felicidade e medo ao mesmo tempo,      por se  visível  por segundos. Perguntava-se como agiria  se todos voltassem a vê-lo, acostumara-se a não ser visto.  Um  grupo de  homens e mulheres  passou por  ele e lhe desejaram  um  feliz natal.  

Retribuiu e, quando ouviu sua voz, um  onda  de  alegria o  arrebatou.